No Chile, país de terremotos, a surpresa foi total quando multitudinários saques a estabelecimentos comerciais começaram logo depois do megassismo que atingiu, na madrugada de sábado 27 de fevereiro de 2010, Concepción, a terceira maior área metropolitana do país. Organizaram-se nos bairros estratégias de autodefesa por temor aos rumores sobre a chegada de saqueadores. Para se restabelecer a “ordem”, foi decretado Estado de Exceção. Este estudo exploratório e qualitativo busca enxergar a relação entre terremoto, violência coletiva e insegurança urbana com base nos depoimentos de homens e mulheres que entrevistei em Concepción dois anos depois do cataclismo. Inspirada no debate teórico sobre a memória coletiva, analisarei os silêncios e olvidos que fazem parte dos testemunhos; assim, interrogarei o caráter inédito que os entrevistados, mas também acadêmicos e autoridades, outorgaram aos saques pós-terremoto, que, como iremos ver, foram interpretados como sintoma do deterioramento moral da sociedade chilena sob o regime neoliberal. Por intermédio de diferentes registros do passado, buscarei rastros sobre conflitos sociais e políticos em outros momentos da história telúrica nacional. Sobre os episódios de 2010 em específico, e seguindo os trabalhos de Charles Tilly e Javier Auyero, apresento numa escala microespacial alvos, dinâmicas e repertórios dos saques conforme as rememorações dos consultados, entre eles, donos de lojas vitimizados pela multidão. Por fim, para indagar o deslocamento do medo do terremoto ao medo dos outros, chamarei a atenção sobre os modos pelos quais são representados diferentes bairros da cidade e o papel dos rumores.
Chileans, a population used to earthquakes, woke up with surprise in the morning of February 27th, 2010 since right after the earthquake that hit Concepción, the third largest metropolitan area in the country, massive looting to stores came about. Fed by rumors about roving mobs, Concepcion residents formed their own neighborhood defense squads to guard their homes, whereas the Chilean government declared State of Exception to restore the social order. Drawing on testimonies of men and women I interviewed in Concepción two years after the disaster, this exploratory and qualitative research examines the relationship between earthquake, collective violence, and urban insecurity. Following a theoretical discussion about collective memories, I explore how silence and forgetting are active elements in the process of collective remembering. In addition, this project analyzes the sense of exceptionality that my interviewees, other scholars, and state authorities have assigned to looting in the aftermath of the earthquake; events that, as I shall demonstrate, were interpreted as a symptom of moral decadence of Chilean society under the neoliberal regime. By scrutinizing historical data about past earthquakes, I look at traces of social and political conflicts associated with the occurrence of natural disaster like the one I describe here. Concerning the 2010 facts, I make use of the framework offered by Charles Tilly and Javier Auyero to present, at a micro-scale level, looting targets, dynamics and repertoires based on narratives collected empirically (among them, testimonies of storeowners who were victimized by the crowd). Finally, to explore the displacement of fear—in particular, from the fear to earthquake to the fear of the “others”—I point out the need to pay attention to the ways in which different neighborhoods are conceived of as well as the role of rumors.